
Crescem os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais
[…]; a recuperação judicial do produtor rural pode ser traduzida na autorização de um plano para o pagamento mensal de todos os seus credores sem o comprometimento de toda a sua renda.
Após desfrutar do bom cenário da colheita da soja, os produtores de milho vêm amargando a estimativa de quebra da segunda safra em decorrência da falta de chuvas e da existência de pragas nas lavouras, como é o caso da cigarrinha.
Essa potencial perda da safra vai de encontro à boa expectativa de venda do milho à China, que, ao se tornar o maior consumidor do grão no mundo, elevou os preços e a quantidade das exportações brasileiras. Agora, a expectativa da perda da safra do milho com a consequente diminuição da quantidade do grão disponível faz com que haja um novo aumento nos preços da saca. Trata-se da expressão prática da lei da oferta e da procura.
Como se vê, embora a valorização do preço da saca do milho pareça positiva sob um primeiro olhar, as projeções não muito otimistas de perda da safra preocupam o produtor rural que tem como compromisso entregar a safra vendida meses antes.
Essa preocupação fomenta a discussão jurídica quanto à possibilidade de renegociação dos contratos de venda do milho, já que muitos agricultores entendem que a perda na produção a que não deram causa configuraria evento imprevisível à época em que esses contratos foram celebrados, o que autorizaria revisá-los judicialmente para que não suportem prejuízos exorbitantes.
Quanto ao ponto, é preciso esclarecer que o contrato de venda de safra futura tem por escopo justamente reduzir os diferentes riscos ligados à produção agrícola, que se sujeita a variações ambientais e de mercado. Na prática, torna-se possível a venda futura de safras ou de animais com a fixação prévia dos preços a serem recebidos em data posterior à contratação. Em linhas gerais, embora os preços, eventualmente, possam variar, garante-se a entrega do produto pelo valor avençado à época da celebração da venda.
No caso da perda do produto a ser entregue por conta de estiagem ou pragas, por maior que seja o esforço técnico na tentativa de articular a revisão contratual da venda com fundamento na impossibilidade de se prever condições climáticas adversas, o que se vê é que não é possível a rediscussão judicial desses negócios. Isto porque o entendimento que prepondera é o de que, nos contratos de compra e venda futura de grãos, a perda da safra em decorrência de adversidades climáticas é um risco inerente à produção agrícola, devendo permanecer íntegras as condições contratuais inicialmente ajustadas entre as partes.
Decisões reiteradas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontam que eventos como chuvas, estiagens e pragas não são considerados acontecimentos extraordinários no âmbito agrícola, pois são circunstâncias previsíveis que o produtor considera no momento da celebração do contrato de compra e venda de grão com entrega futura.
Quanto ao ponto, a Ministra do STJ Nancy Andrighi esclareceu esse entendimento ao registrar que, “ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato (livre flutuação do dólar, transporte, seguro, qualidade dos grãos etc.), como aqueles derivados das condições da lavoura (excesso ou escassez de chuvas, pragas etc.). Dessa forma, não há como admitir que, tendo ignorado ou calculado mal tais variáveis, ou, pior, estando arrependida com o preço acordado no ato da contratação, a parte pretenda, sob o manto da função social do contrato, pleitear a resolução deste” (Superior Tribunal de Justiça. REsp 783.404/GO, Terceira Turma, j. 28 jun. 2007. Relatora Min. Nancy Andrighi. Disponível em: . Acesso em 11 de maio. 2021).
E como o entendimento exarado por uma Corte Superior vincula os tribunais espalhados pelo país a aplicarem esse mesmo entendimento a casos idênticos, é certo que toda e qualquer discussão quanto à renegociação dos contratos seguirá o mesmo caminho quanto à manutenção do dever contratual mesmo na hipótese de perda da safra.
É exatamente por isso que a melhor opção ao produtor rural é sempre celebrar seguro agrícola, cujo objeto é justamente a garantia do recebimento de indenização pelas eventuais perdas decorrentes de condições climáticas adversas.
Para o momento atual, diante das projeções da perda dessa safra, o caso é de renegociação com as instituições bancárias, a fim de que sejam prorrogados os financiamentos que subsidiaram o plantio do milho.
Essa providência tem lugar porque as normas que regem o crédito rural permitem que o produtor prorrogue suas dívidas de acordo com os mesmos encargos financeiros pactuados no contrato original e por tantas safras quanto forem necessárias até o restabelecimento de sua capacidade de pagamento.
*Renato Dias dos Santos. Advogado
Em vista disso é que se recomenda nas hipóteses de perda da safra por eventos como longa estiagem e pragas na lavoura que o produtor busque como alternativa a prorrogação de seu financiamento rural, sendo importante a advertência técnica para que produzam provas da perda dessa safra, bem como que notifiquem o agente financeiro de sua intenção de prorrogar o financiamento antes do vencimento do prazo contratual.
O momento preocupa o produtor rural, mas muito pode ser feito no enfrentamento dessa questão, que, em muitos casos, também pode ser solucionada com a oportuna atuação jurídica.
*Renato Dias dos Santos | Sócio fundador do escritório Renato Dias dos Santos Advocacia & Consultoria | Advogado atuante em Direito do Agronegócio | Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) | Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) | Membro da Comissão de Assuntos Agrários e do Agronegócio da OAB/MS | Integrante do Comitê Jurídico da Sociedade Rural Brasileira (SRB) | Site: www.renatodiasdossantos.adv.br | E-mail: advogado@renatodiasdossantos.adv.br
[…]; a recuperação judicial do produtor rural pode ser traduzida na autorização de um plano para o pagamento mensal de todos os seus credores sem o comprometimento de toda a sua renda.
[…] os grandes desafios do setor estão ligados, principalmente, à ineficiência da logística em todo o território nacional, à falta de armazenagem estática, aos entraves do seguro agrícola e às dificuldades relacionadas ao crédito rural, tratando-se, portanto, de uma conjuntura que remonta à própria formação da nossa economia agrícola.
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