Os casos de violência envolvendo menores autores de atos infracionais provocam na sociedade um grande impacto, ensejando discussões acerca do endurecimento do caráter sancionatório das medidas socioeducativas hoje existentes e até mesmo de sua responsabilização criminal. Todavia, considerando-se a reconhecida ineficácia dos sistemas socioeducativo e punitivo, questiona-se: qual seria a melhor solução para reeducar e reinserir na sociedade o adolescente infrator?
Penalmente inimputáveis, para muitos, os jovens autores de atos infracionais são protagonistas da violência que tanto oprime a sociedade, porquanto têm um início precoce na “vida no crime” por meio da prática de infrações graves diante da certeza de que, na pior das hipóteses, lhes serão aplicadas medidas socioeducativas brandas quando comparadas à responsabilização criminal de adultos.
É justamente por isso que os adolescentes infratores são estigmatizados como importantes agentes do crime, já que, por vezes, são aliciados por quadrilhas e organizações criminosas ao cometimento ou mesmo à assunção da autoria de delitos graves com a certeza de que, caso venham a ser detidos, receberão punições consideradas “leves”, incorrendo sem qualquer tipo de receio na prática de atos infracionais análogos a homicídios, tráfico de drogas, roubos, furtos, receptação, porte de armas de fogo, lesão corporal, entre outros.
Esse cenário contribui decisivamente para o fortalecimento do discurso social quanto à redução da menoridade penal para 16 (dezesseis) anos de idade sob o fundamento de que essa seria uma boa forma de desestimular a escalada da violência. É dizer, entende-se por justificada a rigorosa punição daqueles que, mesmo sendo capazes de discernir e compreender seus atos, cometeriam graves infrações motivados pela certeza de que serão acobertados por uma legislação que lhes será confortável.
O problema de se encarar a situação sob essa perspectiva é que não se leva em consideração o fato de que o sistema prisional é o único remédio administrado pelo Brasil nas últimas décadas para o enfrentamento da violência, o que, notoriamente, não tem surtido resultados positivos, vez que se trata de um sistema já desgastado.
No geral, as cadeias espalhadas pelo país são verdadeiros depósitos de pessoas que objetivam, unicamente, isolar e excluir o criminoso da sociedade. Por isso é que se diz que a gestão dessa política de segurança pública ao longo dos anos se trata de um descaso que mais parece servir a uma exclusiva vontade de punição do indivíduo – o que não é inteligente.
Isso é importante para a compreensão da linha argumentativa aqui defendida porque aí reside um problema ainda maior. Não é surpresa que todo o sistema prisional brasileiro é gerido paralelamente por organizações criminosas diversas, as quais têm a adesão diária de diferentes presos por todo o país. Daí se concluí que o ser humano que a sociedade rejeita se transforma no bandido que o crime acolhe.
Essa questão é preocupante porque, não sendo admitidas prisão perpétua e pena de morte no Direito brasileiro, é inexorável que esse criminoso retornará rapidamente ao convívio social, já que, geralmente, salvo nos casos de crimes hediondos, a progressão de regime cuidará para que o infrator não permaneça por muito tempo recluído da sociedade.
Ou seja, após uma breve temporada em cadeias desumanas sem uma política pública para sua recuperação social, o criminoso retornará à sociedade com as marcas do sistema prisional e a certeza de que serão poucas as perspectivas para a reconstrução de sua vida fora da prisão. E sem muitas esperanças no futuro, permanecer no crime acaba sendo a alternativa mais próxima para quem não tem qualificação, estudos ou conhecimentos profissionais que o estimulem a deixar a violência.
É dizer, sem medidas que incentivem a conscientização e oportunizem uma mudança concreta, o atual sistema prisional acaba se transformando em um centro de formação e qualificação de criminosos, dando início a uma violência cíclica. Tanto é assim que muitos juristas defendem a descriminalização do Direito Penal como forma de dar efetividade ao sistema punitivo, fundamentando que outras áreas jurídicas poderiam tratar de crimes de menor gravidade.
Para elucidar esse ponto de vista basta destacar que 30% dos presos no Brasil estão atrás das grades por crimes de drogas, sendo que a maioria deles são formados por jovens (primários) que foram flagrados com menos de 60 gramas de entorpecentes.
Assim é que se sustenta que a “Lei de Drogas” impulsionou o encarceramento no Brasil, porquanto, como não houve o estabelecimento de critérios objetivos para definir o que é considerado tráfico, o próprio policial ficou encarregado dessa incumbência no momento da abordagem, o que, não raro, acaba por levar à prisão até mesmo usuários de entorpecentes.
Em suma, o Direito Penal pune com prisão quem poderia ser castigado de outra maneira, que, seguramente, seria mais eficaz do que abarrotar de gente o tradicional sistema prisional brasileiro. Em linhas gerais, nós prendemos muito e prendemos mal.
Por isso, convém questionar retoricamente: será que tornar mais rígidas as medidas socioeducativas já existentes ou reduzir a menoridade penal são, de fato, as melhores políticas para o enfrentamento do problema da violência menorista ou são providências que atendem àquela referida vontade social de punir?
Sem querer vitimizar os protagonistas dos atos infracionais, é preciso ponderar que o clamor social não leva em consideração o fato de que a formação da identidade do adolescente infrator se atrela a fatores sociais, econômicos, familiares, emocionais e individuais.
Dito de outro modo, o desarrazoado desejo social de punir impede que se faça a devida leitura dos processos de exclusão e de vulnerabilização a que o jovem em conflito com a lei está submetido, a fim de lhe dar o oportuno tratamento reeducativo.
A ligeira análise de tudo o que foi posto nas linhas que se passaram permite considerar que uma política de encarceramento do adolescente no esgotado sistema prisional brasileiro é a maneira errada para o enfrentamento da situação.
Todo o panorama carcerário sobre o qual se discorreu ligeiramente até aqui fundamenta a assertiva de que, ao contrário do que muitos pensam, prender sem qualquer política ressocializadora não é resolver o problema. É agravá-lo.
Ultrapassada a argumentação de que o sistema prisional é o pior lugar para a recuperação social do transgressor, não se pode deixar de considerar que as medidas socioeducativas têm grande importância no papel de ressocializar o adolescente infrator. O que lhes falta é investimento para que tenham efetividade.
Por isso não faz sentido algum negligenciar esse sistema socioeducativo para, então, incluir o adolescente autor de ato infracional no falho sistema carcerário brasileiro.
Não é razoável atribuir o problema da violência à suposta natureza incorrigível e contumaz do adolescente infrator, mas sim, em maior grau, à falência governamental para educá-lo e reincorporá-lo à sociedade.
O que aqui se sustenta é que as políticas de criação de novos institutos jurídico-penais, de recrudescimento da legislação em vigor e, quando existentes, de massivos investimentos na construção e manutenção de unidades educacionais são providências vazias, inócuas e imediatistas, o que tende a desgastar cada vez mais o modelo então vigente.
Com base nisso é que se projeta na justiça restaurativa um excelente instrumento subsidiário para a reeducação do adolescente autor de ato infracional, através de sua conscientização acerca dos efeitos negativos de sua conduta delitiva, porquanto se trata de técnica de resolução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos seus ofensores.
A proposta de aplicação conjunta da Justiça Restaurativa e das medidas socioeducativas é otimista porque se trata de veículo capaz de humanizar a punição, já que, dessa maneira, se estará enfrentando o problema por meio da conscientização do infrator quanto aos danos de sua conduta delitiva, o que é feito tanto sob a perspectiva do infrator quanto da vítima, relegando-lhes o protagonismo na resolução do conflito.
Trata-se, pois, da responsabilização do adolescente infrator sem deixar de lhe oferecer o subsídio de que necessita para entender e reparar sua conduta.
Leia-se, considerando que o modelo restaurativo é capaz de conjugar uma política que reúna em si educação, justiça e segurança pública, sustenta-se que esse importante modelo de jurisdição criminal consubstancia um instrumento para conscientizar e reparar condutas – o que dotaria de eficiência a moderna legislação menorista hoje existente.
Dostoievski dizia que a melhor maneira de se conhecer o grau de civilização de um povo é visitando suas prisões. Se olharmos para as prisões brasileiras hoje, será possível perceber que estamos muito atrasados. Isso não acontece da noite para o dia. São anos e anos de descaso, incompetência e demagogia política que só agravam o problema.
É triste perceber que o Estado não percebe o óbvio e continua investindo no endurecimento de penas e no encarceramento em massa – algo que pode até suavizar as dores da população que está cansada da violência, mas que, a longo prazo, só vai deixar pior um sistema que parecia impossível de piorar.
E como essa abordagem governamental maculada de insucesso também é reprisada no enfrentamento da conduta do adolescente autor de ato infracional, é preciso que haja uma mudança na maneira como enxergamos essa situação para confrontar a ineficiência das medidas até então adotadas pelo Poder Público.
Seja porque a sociedade precisa de uma resposta à violência, seja porque uma vida, por pior que pareça, sempre pode ser salva.
Renato Dias dos Santos. Advogado graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
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