
Crescem os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais
[…]; a recuperação judicial do produtor rural pode ser traduzida na autorização de um plano para o pagamento mensal de todos os seus credores sem o comprometimento de toda a sua renda.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que todos os produtores rurais (pessoas físicas ou jurídicas) que firmaram contratos de financiamento agrícola com o Banco do Brasil durante o Plano Collor Rural têm direito à restituição da diferença de 43,04%, reconhecendo, com isso, a indevida cobrança de correção monetária. A decisão também vale para os contratos que foram quitados ou renegociados após a vigência do plano, uma vez que também foram submetidos àquela correção.
Para melhor compreender a questão, cabe registrar que o Plano Collor Rural compunha uma série de medidas econômicas destinadas à estabilização da inflação que chegava ao impressionante patamar de 80%.
Esse salto tem explicação no fato de que, quando o referido plano entrou em vigor, o Banco do Brasil corrigia os contratos de financiamento com base no Bônus do Tesouro Nacional (BTN), que, naquele mês, foi alçado em 41,28%. Ocorre que as medidas econômicas adotadas naquele período provocaram a alteração da base de referência monetária para a variação do Índice de Preços do Consumidor (IPC), fazendo com que a correção monetária duplicasse já em março de 1990, chegando a 84,32%.
Esse resultado econômico levou o setor agrícola a suportar grandes prejuízos, afetando tanto pequenos produtores quanto grandes fazendeiros. E como houve o aumento inesperado do valor do financiamento, muitos produtores rurais se endividaram e não conseguiram honrar com o pagamento das dívidas contraídas junto às instituições financeiras, o que refletiu na penhora e na alienação judicial de máquinas, animais e até mesmo de propriedades rurais inteiras de muitos produtores.
Diante desse cenário, verificando a irregularidade da correção do saldo devedor dos financiamentos agrícolas, em 1994, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em desfavor da União, do Banco do Brasil e do Banco Central do Brasil, postulando a declaração judicial de ilegalidade dos índices utilizados para corrigir os contratos celebrados entre 1° de janeiro de 1987 a 30 de abril de 1990.
A boa notícia é que, após essa ação civil tramitar por longos 26 anos, o STJ julgou os embargos de divergência opostos pela União Federal e consolidou o entendimento já adotado pela Corte no sentido de que o produtor rural tem direito ao recebimento de uma diferença de 43,04% a título de correção do saldo da operação existente em março de 1990.
Vale lembrar que essa diferença a ser restituída ainda deverá ser corrigida monetariamente a contar da data do pagamento do empréstimo com acréscimo de juros legais, os quais serão computados desde a data da citação na ação civil – 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003) e 1% ao mês a partir de então (art. 406 do CC/2002).
O que merece especial atenção é que, embora o STJ tenha decidido a matéria determinando a restituição desse excesso, a União Federal, o Banco do Brasil e o Banco Central do Brasil interpuseram três recursos extraordinários perante o Supremo Tribunal Federal (STF), de modo que ainda não há decisão definitiva sobre essa questão, posto que ainda não transitada em julgado.
Some-se a isso o fato de que a pretensão recursal veiculada pelo Banco do Brasil em seu recurso extraordinário tem por objeto a aplicação do mesmo entendimento proferido pelo próprio STF no RE 206.048/RS, onde foi reconhecida a legalidade da correção de 84,32% aos poupadores de 1990. Ou seja, o pedido de aplicação da isonomia atribui, no mínimo, probabilidade à pretensão de reforma do julgado do STJ.
Por isso, apesar do STJ ter revogado a liminar que impedia a distribuição de cumprimentos de sentença individuais para reclamar em juízo o recebimento do valor devido aos produtores rurais, a prudência recomenda que se aguarde o desfecho do julgamento desses três recursos perante o STF para que, em sendo o caso, sejam adotadas as providências executivas pertinentes à espécie.
Essa cautela se faz necessária porque, no caso de eventual provimento a qualquer desses recursos excepcionais, em tese, poderá haver a reforma do provimento que subsidia a pretensão ressarcitória dos produtores rurais, o que, nessa hipótese, implicaria na condenação dos produtores que já ingressaram com ações ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que, no caso, serão fixados entre 10 e 20% do valor do crédito reclamado. Leia-se, de credores, os produtores rurais passariam a ser devedores de uma importância razoável.
Há que se dizer que não haverá qualquer prejuízo àqueles que acatarem a recomendação aqui defendida para não ingressar com cumprimento provisório para execução do julgado, já que, na hipótese de eventual improvimento dos recursos extraordinários e de manutenção do entendimento proferido pelo STJ, o prazo de cinco anos para o cumprimento da sentença da ação civil terá início somente com o trânsito em julgado.
Se, por outro lado, o produtor rural optar pela distribuição de cumprimento provisório daquela sentença, o eventual valor exequendo penhorado não poderá ser levantado, exceto se oferecida garantia no valor do débito, segundo o que estabelece o inciso IV do art. 520 do CPC.
Aos produtores rurais que, mesmo diante da possibilidade de provimento de algum daqueles recursos extraordinários, quiserem executar a sentença da ação civil, caso não possuam mais todos os documentos necessários à confecção dos cálculos (cópia da cédula rural acompanhada de comprovantes de liberações de recursos e pagamentos, entre outros), mas comprovem terem contraído o financiamento, será o caso de pedir, por meio de ação judicial própria, que o Banco do Brasil forneça toda a documentação faltante, sob pena de lhe ser imputada a presunção legal de veracidade dos fatos contra ele articulados.
Como alternativa à comprovação documental dos financiamentos, caberá a realização de pesquisa junto ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca em que está situada a agência bancária responsável pelo financiamento ou, ainda, onde os bens foram dados em garantia, uma vez que as cédulas de crédito são de registro obrigatório, tratando-se, portanto, do meio adequado à obtenção de certidões das operações emitidas pelo produtor no período em questão.
Em vista de tudo o que foi posto até aqui, conhecendo todos os lados da questão aqui discutida, cabe ao produtor rural decidir sobre a pertinência do aforamento de eventual cumprimento de sentença com espeque na decisão proferida pelo STJ ou se prefere aguardar o desfecho dos recursos extraordinários interpostos perante o STF.
*Renato Dias dos Santos | Sócio fundador do escritório Renato Dias dos Santos Advocacia & Consultoria | Advogado atuante em Direito do Agronegócio | Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) | Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) | Membro da Comissão de Assuntos Agrários e do Agronegócio da OAB/MS | Integrante do Comitê Jurídico da Sociedade Rural Brasileira (SRB) | Site: www.renatodiasdossantos.adv.br | E-mail: advogado@renatodiasdossantos.adv.br
[…]; a recuperação judicial do produtor rural pode ser traduzida na autorização de um plano para o pagamento mensal de todos os seus credores sem o comprometimento de toda a sua renda.
[…] os grandes desafios do setor estão ligados, principalmente, à ineficiência da logística em todo o território nacional, à falta de armazenagem estática, aos entraves do seguro agrícola e às dificuldades relacionadas ao crédito rural, tratando-se, portanto, de uma conjuntura que remonta à própria formação da nossa economia agrícola.
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