Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, determinando a exclusão daquele imposto estadual sobre essas contribuições sociais. Como atribuiu repercussão geral ao julgamento do recurso extraordinário afetado, suas disposições deverão ser replicadas a todos os casos nos quais se discuta questão idêntica, bem como a outras hipóteses de incidência de tributo sobre tributo, tais quais o PIS e a COFINS sobre o ISS.
Entretanto, apesar do resultado favorável aos contribuintes, essa vitória não pode ser considerada total e irrestrita, vez que, conquanto exista o tradicional entendimento de que normas inconstitucionais devam ser fulminadas desde o momento de sua criação, a Suprema Corte pode deferir a modulação temporal dos efeitos desse precedente histórico, notadamente em razão do impacto econômico que o Poder Público poderá suportar em razão do expressivo valor a ser devolvido pelo Tesouro Nacional (estimado em aproximadamente R$ 250 bilhões).
Inicialmente, é preciso registrar que a Constituição Federal prevê que a seguridade social deve ser mantida por meio de contribuição incidente sobre o faturamento da empresa, que seria a base de cálculo para o PIS e a COFINS, compreendendo a soma de todas as receitas brutas auferidas pela pessoa jurídica.
É dizer, sob o ângulo do faturamento, por lei, a base de cálculo do PIS e da COFINS não pode extravasar o próprio valor do negócio, ou seja, o produto percebido com a operação mercantil ou a prestação de serviço de qualquer natureza.
Para melhor entendimento sobre como se dá essa cobrança tributária, convém esclarecer que, ao vender uma mercadoria ou realizar alguma operação em que se aplique o ICMS, o fato gerador é verificado quando a titularidade deste bem ou serviço passa para o comprador. Ou seja, o tributo só é cobrado quando a mercadoria é vendida ou o serviço é prestado para o consumidor, que passa a ser o titular deste produto ou do resultado da atividade realizada.
Essas definições são importantes porque o fato gerador do ICMS é a circulação de mercadorias e a prestação de serviços, sendo que sua base de cálculo é o valor da operação, ao passo que, no caso do PIS e da COFINS, o fato gerador e a base de cálculo se consubstanciam no auferimento de receita ou faturamento.
De uma rápida análise é possível de se concluir que esses fatos geradores convergem no momento em que o ICMS compõe o preço da transação e, por consequência, fica embutido na receita bruta, que é o fato gerador das contribuições (PIS e COFINS).
Ou seja, por vezes, o ICMS acaba ficando contido na base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS, o que equiva-
le dizer que as empresas vêm pagando tributo sobre tributo, que, na hipótese, precisa ser entendido como a cobrança de tributos de competência da União (PIS e COFINS) e de competência do Estado (ICMS) sobre um mesmo fato jurídico tributário.
O grande problema é que a inclusão do valor de um tributo de competência estadual (ICMS) na base de cálculo de outros de competência da União Federal (PIS e COFINS) representa o alargamento do conceito de faturamento, o que termina por encarecer a carga tributária a ser suportada pelos empresários no exercício de sua atividade econômica.
A apontada irregularidade é ainda mais evidente porque a indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS ensejou a criação de uma nova modalidade de contribuição, o que somente poderia ser feito por meio de Lei Complementar, segundo o que estabelecem expressamente o § 4º do art. 195 c/c o inciso I do art. 154 da Constituição Federal. E mais, é oportuno mencionar que o texto constitucional ainda estabelece expressamente que o ICMS não pode ser cumulado com qualquer outra espécie tributária (CF/88, inciso I do § 2º do art. 155).
Por fim, a irregularidade em estudo também decorre do fato de que a cobrança não cumulativa das contribuições para o PIS está prevista na Lei n.º 10.637, de 30 de dezembro de 2002, ao passo que a não cumulatividade tributária no caso da COFINS está prevista na Lei n.º 10.833, de 29 de dezembro de 2003, vedando expressamente a prática rotineira que a Fazenda Pública vem adotando até então.
Ponderando as irregularidades apontadas até aqui, o Plenário do STF julgou o RE 574.706/PR, atribuindo-lhe repercussão geral para decidir que o ICMS não pode compor a base de cálculo do PIS e da COFINS com base no fundamento central de que “a base de cálculo do PIS e da COFINS não pode extrapolar o montante percebido pela pessoa jurídica com a atividade econômica e, sob qualquer ângulo que se examine a questão, inviável o enquadramento do ICMS naquele conceito, razão porque deve ser excluída a parcela relativa ao imposto estadual da incidência das contribuições sociais em debate”.
Essa decisão, contudo, não traz novidades à jurisprudência da Corte Constitucional ou mesmo à União Federal, uma vez que o Ministro Marco Aurélio já se manifestou nesse mesmo sentido por ocasião do julgamento do RE n.º 240.785/MG e do julgamento do RE 463.152/RS, quando, então, foi estabelecido o entendimento de que o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.
A novidade está no fato de que, por ocasião do julgamento do RE 574.706/PR, esse entendimento foi consolidado pela mais alta composição do STF, já que, por ter sido julgada por seu Plenário, a declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS está fundada em um precedente qualificado da Corte Suprema, tratando-se, pois, de matéria amparada em precedente de respeito obrigatório, nos termos do art. 927, V, do CPC, o que implica na sistematização de todas as decisões judiciais que versarem sobre essa mesma matéria.
Isso equivale dizer que, como o STF definiu com efeito erga omnes (repercussão geral) que a inclusão do valor de um tributo de competência estadual na base de cálculo de outro, de competência da União Federal, dilata o conceito de faturamento definido em lei, é inexorável que os contribuintes têm direito ao imediato cancelamento da cobrança do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, reservando-se à possibilidade futura de restituição dos valores indevidamente recolhidos.
Justamente com fundamento nessa assertiva é que se diz que essa decisão refletirá diretamente na receita das empresas que foram compelidas ao recolhimento tributário segundo esse procedimento, já que a decisão em cotejo autoriza a discussão judicial da imediata suspensão dessa cobrança tributária, deixando em aberto a discussão quanto ao posterior ressarcimento dos valores já pagos por tais empresas ou ainda a compensação entre outros tributos.
Quanto ao ponto, temendo o impacto econômico bilionário que essa restituição causará aos cofres públicos, a União Federal opôs embargos de declaração com o escopo principal de provocar a modulação temporal dos efeitos da decisão do STF a fim de que a restituição tenha por tenho inicial o julgamento desse caso, evitando que efeitos pretéritos provoquem um verdadeiro rombo na receita orçamentária do governo ou, caso o STF rejeite tal pretensão, que a União seja autorizada a definir regras para tanto.
Enquanto o mencionado recurso não é julgado, merece destaque que, no RE 593.849/MG, o STF reconheceu o direito do contribuinte em creditar a diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente no caso da base de cálculo da operação for inferior à presumida, o que só seria possível aos contribuintes que já tinham medida judicial em curso e ainda não finalizadas.
Por isso é que se especula que a modulação do RE 574.706/PR poderá seguir a mesma linha, ou seja, apenas os contribuintes que entraram com ação até antes da decisão do STF terão direito de reaver os valores recolhidos indevidamente, já que, em assim sendo, a decisão operará efeitos a partir do seu julgamento.
Embora não seja possível saber com segurança o resultado do julgamento do recurso (se será ou não deferida a modulação), o fato é que, baseando-se na atual jurisprudência do STF sobre modulações e nos preceitos e garantias constitucionais, caso deferida, a modulação não poderá atingir os contribuintes que buscaram junto ao Poder Judiciário a garantia dos seus direitos, sobretudo o direito aos créditos dos valores pagos nos últimos cinco anos.
É dizer, caso o STF decida pela modulação pretendida pela Fazenda Pública, é imprescindível que as empresas que pagaram tributos a mais no passado entrem com ações judiciais o quanto antes, já que correm o risco de não conseguirem essa restituição.
Logo, os empresários devem correr contra o tempo, considerando o prazo exíguo e a necessidade de obter toda a documentação necessária à comprovação do direito a ser discutido judicialmente.
Renato Dias dos Santos. Advogado graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
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